Um projecto urgente de loucura.
Um acto urgente de loucura é o que quatro artistas pretendem realizar no mês de Janeiro no espaço da Fábrica Braço de Prata.
Residência e Exposição De 11 a 31 de Janeiro 2010
Acções na FBP
13, 16, 23 e 27 de Janeiro - 19h30 (Quartas e Domingos)
A urgência do acto propulsor que leva ao vértice entre a loucura e a sanidade. O que os artistas pretendem? Levanta-se o gesto de um dos performers, as mãos se torcem, se multiplicam em muitos actos que parecem transmitir a necessidade de abandonar o corpo, ou o espaço que este ocupa. A mulher que se encontra em cena e desenha cegamente, a compor com o corpo também os movimentos que dão origem aos traços que formarão o desenho inesperado, tudo em conjunto, todos participantes de um mesmo “work in progress” dedicado à pesquisa da temática relacionada à loucura e todos os abusos cometidos em nome de uma suposta normalidade, a bem dizer imposta. Leva-se a cabo uma pesquisa mais detalhada do tema no que concerne às pesquisas feitas pelo médico francês J.M. Charcot, o qual concentrou toda sua atenção e interesse no que ele denominava de “crises histéricas” nos seus pacientes – na sua grande maioria mulheres.
O peso é perceptível no trabalho destes quatro artistas presentes – há dois artistas que participaram da pesquisa e que por questões geográficas não puderam dar continuidade a esta etapa no Braço de Prata – e uso as palavras ´pesquisa´ e ´etapa´ propositadamente, para que o leitor fique ciente de que é um trabalho em progresso, em trânsito até, visto que os quatro artistas encontram-se neste momento residindo em Lisboa, sítio no qual resolveram intervir e iniciam esta intervenção de modo mais freqüente e esquemático no Braço de Prata – sem contar com as pequenas intervenções urbanas presentes na pesquisa diária que compõe parte do cotidiano destas pessoas; a trabalhar com uma temática extremamente delicada e densa, com o peso extra de fazer um trabalho urgente, de tirar de dentro de si a força e a vontade de produzir arte num mundo em crise, que tanto necessita reflectir sobre as ações das pessoas e as conseqüências que estas trazem para os outros seres.
Cada um dos participantes desta pesquisa trabalha com uma linguagem, um meio, embora por vezes estes se cruzem e intercalem visões poéticas. A performer Anajara Laisa Amarante trabalha com os meios da fotografia e da dança. Denomina-se performer, e não fotógrafa ou dançarina, por transitar entre meios e por não ser especializada em nenhum deles – e nem ter a pretensão de, embora, todos nós sabemos muito bem, a vida nos leve a caminhos nunca dantes pensados por nós, mas as imprevisões conduzem a maravilhas e catástrofes. Veja-se o exemplo dos milhares e milhares de pessoas maltratadas no mundo por suas supostas loucuras, ou por tratamentos negados com a subseqüente criação de outros males. A artista utiliza a imagem fotográfica como meio de expressão de como vê o mundo e também de como vê a si mesma. Quase todas as fotos em que aparece (com exceção de três ou quatro em que aparece com outra pessoa na foto) foram tiradas por ela mesma. As fotos dos outros artistas também assina em sua maior parte. Quanto às performances que serão feitas nos dias marcados ainda ao final deste artigo (sendo sempre quartas ou domingos) dará continuidade a um trabalho em progresso, que tem a ver com uma coreografia apresentada sob direção de Sofia Silva, em que a performer escolheu trabalhar a perda de controle. Ao juntar com outros movimentos inspirados pelas diversas víctimas das doenças mentais (e muitas simples simples dissidências do sistema) pretende apresentar a sua idéia do que é o universo da perda de lucidez.
Para o músico e performer Blu, da dupla Koll Witz, que esteve recentemente em tour pela Europa (a outra artista não pode estar presente agora), o som também dança, assim como dançam os traços ou as estaticidades e movimentos dos corpos presentes no espaço. Mas o som o faz através da janela acusmática dos auto-falantes / colunas de som que estarão na sala. Blu pensa muito nos ruídos. Para ele, os ruídos são a matéria plástica que, usada na paisagem-sonora, é composta eletroacusticamente. O interesse e meio de intervenção do artista dá-se pela sobreposição de improvisos, dilatando fragmentos de momentos captados transformandos em longos contínuos intercalados por surtos e espasmos sônicos – segundo os conceitos do artista. Além de participar do duo de arte sonora Koll Witz, Blu também trabalha em colaboração com diversos artistas como improvisador multi-instrumentista e compositor eletroacústico.
Daka fará a utilização do desenho-cego ou da pintura-cega no trabalho. Segundo as definições da artista, procura utilizar esta técnica neste contexto pelas razões que se seguem: o desenho-cego é um exercício de desenho muito conhecido e utilizado por artistas e estudantes em que consiste desenhar sem olhar para a folha, somente para o modelo, desnudando o gesto e a intuição, o que sobrepõe a expressividade e a carga emocional ao racionalismo do controle do desenho. Como um passo atrás o desenho cego proporciona ao artista uma luta entre o que ele sabe e o que ele agora já não pode prever. O desenho cego é ótimo para entrar em conexão com o lado direito do cérebro que dizem ser a zona responsável pela parte não concreta de nosso raciocínio, pelas intuições e noções de realidade ligadas ao imagético e ao sensitivo. Para ampliar os significados das formas nestes trabalhos em específico sobre a Loucura, a artista utiliza da descrição dos sintomas da Histeria, de seu poder corporal carregado de símbolos, símbolos os quais acusam a cultura e o indivíduo por meio de descargas e crises. Considera a sua carga histórica e cultural, encontrando nela parte do desenvolvimento do pensamento contemporâneo em cultura e em arte. Por meio dela procura fazer relações com etapas da vida humana num conceito universalizante e simbólico. São apresentadas pinturas exploradas pela necessidade de re-significação da imagem.
Já para Tizo o movimento é o culme da criação. Pensar no corpo é estar atento as capacidades expressivas do mesmo, estando elas no acto criativo feito presente , ou nas extensões materiais que o artista elabora e dissemina no espaço. “Qualidade da presença”, o corpo é o próprio acto de deslumbrar. Actualmente participa num processo investigativo de arte ,em Lisboa, no Centro em Movimento.
A proposta para ocupação do Espaço Braço de Prata, parte desta exploração da presença e do momento presente como leitmotiv da criação. Performance, situação. A pesquisa da iconografia deixada pelas pesquisas de Charcot, se manifesta não enquanto mimese mas sim síntese da realidade. A exploração é a loucura do acto criativo (dos momentos de ruptura, da cisão ) , da arte enquanto possibilidade de um discurso que confronte padrões estanques de comportamento e pensamento, pensando no corpo enquanto esta mídia de arte. Tizo será uma das pessoas a fazer as performances de dança/criação no espaço da Sala Wittgenstein, no Braço de Prata. O artista além de dançarino utiliza outros meios de intervenções no espaço urbano, alguns deles podem ser conferidos no sítio da internet que é referido ao final deste artigo.
As pessoas com um tipo de pensamento denominado ´diferente ´ ou ´subversivo´em relação ao pensamento dominante conhecem não de hoje a dificuldade em poderem se expressar de modo livre. Se nós, mesmo entre os pares temos dificuldades em comunicar-se a ponto de haver um verdadeiro entendimento, para entrar em conflicto com pessoas desconhecidas é um passo muito pequeno. Fica-se na zona confortável, mantém-se o espírito calmo se não se reflete sobre os próprios valores para poder compreender os valores dos outros. E a história da loucura na nossa sociedade ocidental muitas vezes passa por este viés, sem mesmo chegar a qualquer diagnóstico físico psiquiátrico, o louco é aquele que discorda – e pior ainda se este louco fosse uma mulher, há tempos atrás.Causa-me até certo receio pensar no que poderia ter-me acontecido se tivesse nascido na época e lugar errados. Penso que eu, como pessoa por vezes subversiva, sendo mulher, teria de adequar-me muito mais do que o tive de fazer, caso não quisesse ser submetida a sessões hostis como através da sugestão reviver traumas acumulados em uma vida densa.
Fica então aqui aberto o convite a todos os leitores para que visitem o Braço de Prata e vejam nosso trabalho. A parte da pesquisa dos desenhos ´fixos´e fotografias encontra-se em exposição de 11 à 31 de Janeiro, na sala Wittgenstein. Já as performances ocorrem dias 13,16, 23 e 27, que são quartas e domingos. Tragam seus medos, suas curiosidades e perguntas. Ficaremos contentes de compartilhar os nossos convosco.
Artigo: Anajara Laisa Amarante