Abril 09

BY THE BOOK
Inauguração 15/04 - 18H30
Exposição 15/04 - 03/05/09
Alexandre Rendeiro (vídeo documental), Ana Anacleto (fotografia), Carlos Gaspar (diários gráficos), Ema M (pintura e instalação), José Jesus (instalação), José Paulo Ferro (desenho e texto), Marie Lepetit (desenho mural), Orlando Franco (desenho e instalação), 
Rodrigo Bettencourt da Câmara (fotografia), Rui Macedo (pintura e instalação), Teresa Palma Rodrigues (livros-de-artista) e Vasco Barata (fotografia).

A Fábrica Braço de Prata é um lugar onde, actualmente, as mais variadas manifestações culturais acontecem. Privilegia-se a performatividade artística (música, teatro, dança) mas aqui também se dá espaço às artes plásticas, ainda que de uma maneira totalmente informal e, em paralelo com a divulgação do livro através da Livraria Ler Devagar, pode tomar-se um chá ou mesmo uma refeição. É neste contexto onde a cultura se mistura com a arte e com a vida, dentro de um edifício ancestral onde é possível verificar a passagem do tempo, o esforço de recuperação através da habitação do lugar e do habituar-se ao lugar, que a exposição BY THE BOOK aparece. Os doze artistas que fazem integram a exposição estão conscientes dos hábitos culturais implantados hoje neste espaço, das características vivenciais que o lugar implica, e é justamente esta noção do lugar que lhes orienta cada obra apresentada. O lugar para ler é a mesa do chá que será também a mesa onde se espera alguém com quem se combina partilhar o recital que acontecerá ali mesmo. E a sala de leitura é a sala de dança e é a de concertos. Esta multi-funcionalidade caracteriza e espraia-se por todo o edifício. Apenas duas salas permanecem aparentemente imunes a esta metamorfose diária: a livraria. Os livros quietos nas suas estantes esperam quem os manipule. E são os livros que guiam esta exposição. Os doze artistas acima mencionados reúnem-se para apresentar obras que têm em comum o interesse pelo Livro e também por outras questões a ele inerentes: o livro como documento, relíquia, objecto de lazer ou veículo de transmissão de conhecimento, como suporte de escrita nas suas mais variadas morfologias, a sua construção (os fólios, as páginas, as impressões gráficas), os lugares da sua circulação e a leitura, as bibliotecas e as livrarias. Adoptaram meios técnicos distintos que vão desde a manipulação directa do livro impresso e publicado ao vídeo ou à fotografia, passando pela pintura e pelo desenho. Vão ocupar o espaço da Fábrica Braço de Prata de 15 de Abril (4ª feira) a 3 de Maio (Domingo).



Alexandre Rendeiro
Alexandre Rendeiro nasceu em New Jersey, E.U.A., em 1988. Está actualmente no 3º ano do curso de Arte e Multimédia na Faculdade de Belas-Artes.


The Madmenhem Club é uma peça vídeo na qual é apresentada uma série de found footage tanto de prévios registos do autor como de fontes aleatórias da Internet. O conceito geral do trabalho é uma denúncia dos valores pré-estabelecidos e uma busca pela liberdade total do indivíduo. Em suma, resume-se a uma antítese em relação ao que “está escrito”, ao by the book, procurando realçar a vontade individual e explicitar a renúncia à moral e consciência colectiva pré-determinada pelo espaço-tempo sócio-cultural e biológico em que cada indivíduo é inserido e sujeitado à sua existência física e a consequente quase constante passividade deste.
Uma parte desta intervenção (vídeo The Madmenhem Club) está restrita à duração da exposição, embora esta interaja e conflua conjuntamente com os anexos adjacentes ao projecto By The Book – o espaço facilitado aos artistas envolvidos no livrete relativo ao projecto e os sites do artista –, resultando numa performance posterior apenas acessível com o acesso a estas informações agregadas.
Alexandre Rendeiro
Abril de 2009


Ana Anacleto
Ana Anacleto nasceu em Lisboa, em 1975. Vive e trabalha em Lisboa.













Situamo-nos no território das afinidades electivas, das escolhas de proximidade, das referências intuídas e das partilhas convocadas. Assumir uma referência é, necessariamente, escolher jogar conscientemente num determinado tabuleiro, com peças e regras próprias.Assumir uma referência é conhecê-la (no verdadeiro sentido da palavra) … assimilá-la … digeri-la … permitirmo-nos usá-la até à exaustão como se fosse, desde início, inteiramente nossa. É também de um processo de profunda admiração que falamos quando citamos este ou aquele autor, este ou aquele artista. Revemo-nos nas suas acções … gostaríamos que um dia pudessem ter sido as “nossas” acções. Na obra The most accurate distance between me and some of my favorites (uma edição em formato brochura, concebida especialmente para o contexto da exposição) procurou-se construir uma espécie de teia ou rede de relações entre autores/ artistas que num determinado momento da sua obra escolhem 
também eles referenciar outros autores/ artistas (também eles fruto da sua admiração nesse determinado momento). A obra resulta numa brochura desenhada por forma a poder conter e mostrar, no seu interior, a referência a esses momentos específicos que surgem aqui facsimilados a partir da sua documentação original. A distância (para que aponta o título da obra) torna-se assim proximidade, na medida em que a obra existe e foi concebida para poder ser guardada e transportada em qualquer bolso de um casaco … por forma a poder estar sempre presente, como se de um recado, um lembrete ou um segredo se tratasse.

Ana Anacleto
Março 2009


Carlos Gaspar
Carlos Gaspar nasceu em Lisboa, em  1988. Estudante de Pintura na FBAUL.


O Corpo como Objecto | O Quotidiano Alheio

Sou um desenhador compulsivo, talvez por isso os meus desenhos sejam no geral desprovidos de efeitos ou cor. Pois nesse caso o compromisso é maior e eu não quero compromissos com diários, só algo que me alivie do vício, da minha vontade de representar o que vejo e, o que vejo são normalmente corpos, corpos que dançam ora para casa ora para o trabalho.
Carlos Gaspar


Ema M
EMA M (Margarida Prieto) nasceu em Torres Vedras, em 1976. Vive e trabalha em Lisboa.


CALME DES NUITS

«Calme des nuits, fraicheur des soirs, Vaste scintillement des mondes, Grand silence des 
antres noirs. Vous charmez les âmes profondes.
L’éclat du soleil, la gaité, Le bruit plaisent aux plus futiles; Le poéte seul est hanté. Par l’amour des choses tranquiles.
Les fleurs et les arbres, Les bronzes, les marbres, Les ors, les émaux, La mer, les fontaines, Les monts et les plains. Consolent nos maux.
Nature éternelle, Tu sembles plus belle. Au sein des douleurs, Et l’ art nous domine; Sa flamme illumine. Le rire et les pleurs.»
Camille Saint Säens , Calmes des nuits, op.68.

Um políptico de vinte partes, em acrílico sobre tela, é exposto horizontalmente acima das estantes da livraria. Cada parte tem pintado um verso do texto acima exibido. Trata-se da letra de Calme des nuits, canção escrita para coro misto, do compositor francês Camille Saint Säens (1835-1921). Antes de cada verso foi colocado um número ordenador de uma leitura que confirma a sequência original dos versos.
Para quem nunca ouviu esta canção a sonoridade deste poema resume-se à de cada palavra dita, pronunciada, verbalizada. Para quem conhece a obra a sonoridade melódica de Saint Säens está implícita. Esta implicação dá-se no reconhecimento de um texto que terá, neste políptico, a função de activar a memória de um outro som que não o das palavras ditas: o som musical. A pintura regista o poema e torna visível a ausência da escrita musical, o registo do som em falta. A referência ao compositor bem como a classificação «op. 68» poderá ainda abrir o espaço para que o observador desconhecedor desta obra de Saint Säens se sinta tentado a ir à sua descoberta.
Ema M (Margarida Prieto)
Março de 2009


José Jesus
Nasceu em 1988 em Faro, Portugal. Frequenta o quarto ano do curso Arte Multimédia da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.


Mitologia, labirinto, falha, e o incontornável sol. O meu trabalho vai ao encontro destas quatro ideias adjacentes ao conceito geral do livro. Propõe-se uma rede de imagens/objectos que como símbolos comunicam uma não-narrativa, mas que se articulam como elementos pertencentes a um livro. Esse livro imaginário contará as suas ficções, os seus mitos, terá as suas falhas - descreverá o Sol. O Sol metafórico de Bataille - o único objecto da descrição literária.

José Jesus
Março de 2009


José Paulo Ferro
José Paulo Ferro nasceu em Alcobaça em 1955. Vive e trabalha em Lisboa.


DESENHO DE MUITAS FOLHAS

Quando o Rodrigo da Câmara me convidou para integrar este projecto, pensei que o espaço seria um grande armazém ou fábrica abandonada para os lados de Braço de Prata. Comecei a “desenhar” ideias de fotografias a preto e branco. A visita à Fábrica do Braço de Prata, espaço que só conhecia como a nova morada da Ler Devagar, além do encontro com os outros artistas, fez-me entender que o projecto era outra coisa e que um trabalho “específico para o sítio” implicaria uma relação com livros, folhas, texto, papel… Daí resultou o trabalho que apresento. De um lado um desenho composto por muitas folhas, como um “livro aberto” em que os olhos do leitor, no seu constante movimento, mudam incessantemente de página. Do outro um “desenho encadernado” que reproduz o que está exposto, em folhas de papel vegetal que, em virtude da sua transparência, suscitam uma leitura de palimpsesto que as bibliotecas sempre me sugerem. Neste livro/desenho alguns pequenos textos acentuam a ideia de que qualquer obra se constrói sempre sobre as dos que nos antecederam, mesmo quando as linguagens são outras.

José Paulo Ferro
Março de 2009


Marie Lepetit
Marie Lepetit nasceu em Amiens, França, em 1959 . Vive e trabalha em Paris.


LE MUR ET LA PENSEE

“Peut-être vous souvenez-vous

Peut-être vous souvenez-vous des Wall drawings de Sol LeWitt: à même les murs de l’ancienne galerie d’Yvon Lambert, tracées à la main, sur une première cimaise une verticale, sur une deuxième une horizontale, sur une troisième une verticale et une horizontale et sur la quatrième une verticale, une horizontale et un cercle les circonvenant. Souvenons-nous aussi de ses Arcs Circles and Grids de 1972. Peut-être vous souvenez-vous des propositions écrites sur le mur d’une galerie ou d’un musée par Lawrence Weiner qui transgressait les lois de la peinture et du dessin pour n’en retenir que la conversion du sens : One object thrown from a country into another (1969). On sait qu’il est présent sur le mur de soutènement du Musée du Jeu de Paume dans le Jardin des Tuileries. Peut-être vous souvenez-vous encore des ombres portées d’un disque translucide sur sa circonférence de Robert Irwin de 1966-1967. On a pu en voir deux d’entre eux au Musée de la Ville de Paris en 1994. Dans ces trois cas, l’œuvre n’est pas importée, la présence immédiate et physique de l’artiste est autrement plus directe et immédiate que l’empathie implicite du tableau. Pourtant qu’on ne s’y méprenne pas, à la même époque Bruce Nauman, dans le même esprit de réalisme, apposait sur le mur de la galerie, en lettres de néon, I can’t hear you, signifiant son absence explicite ou tout du moins sa présence problématique.

Le mur est redevenu le partenaire qu’il fut.

Le mur est  redevenu le partenaire qu’il fut aux origines. Comme l’espace blanc de la page à laquelle se mesure inévitablement l’écrivain ou le poète, le plan dont la fonction initiale est de séparer deux étendues, voire de porter un plan supérieur, constitue l’aire d’exercice d’un art qui appelait à la neutralité de son support et à l’élimination hautement symbolique de tout cadre. Après qu’une galerie de Liège ait décrété en 1966 que les espaces d’exposition devaient être immaculés pour offrir le maximum de neutralité aux nouvelles formes que 
prenait l’art de l’époque, le mur en soi devait être à la fois malléable et silencieux, et pour cela le plus régulier possible. Cet espace neutralisé transformait en fait considérablement le statut du corps, que ce soit celui de l’artiste ou celui du spectateur. L’expérience de l’art allait quitter la frontalité académique pour devenir déambulation dans l’espace muséal. C’est ce qu’inaugura et théorisa Robert Morris en stipulant que l’œuvre réside dans l’appréhension immédiate de la forme ou du volume dans un milieu donné, soir l’utilisation et la promotion de la gestalt qui  implique que le tout est supérieur à la somme des parties. Ainsi pensée, l’œuvre se donne avant même qu’on la décrive, au point même que sa description est sans valeur. La dimension de la pièce d’exposition, la linéarité relative des murs, le développement des ouvertures, avec leurs exigences à chaque fois différentes, devenaient des éléments décisifs de la forme des œuvres présentées. C’est pourquoi celles-ci devaient répondre à des systèmes capables de leur garantir à chaque fois une autonomie interne. Les sculptures de Morris se fondent sur le poids, la taille, le matériau qui n’expriment qu’eux-mêmes et nullement un discours personnalisé. Les cubes de Sol LeWitt obéissent à une logique constante, interne et inviolable, que ce soit dans leur combinaison ou dans leur déconstruction. Ils provoquent, aux deux sens du terme, ils critiquent d’une part et produisent d’autre part, l’espace de leur réception.

La musique de l’œuvre

La musique de l’œuvre prime le discours de l’artiste. Ce que je viens de dire de ce qu’on peut appeler la tradition minimaliste est en œuvre dans le parcours rigoureux que suit avec le plus grand sérieux, et non sans courage, Marie Lepetit. C’est en tout cas dans ces parages qu’on trouvera les échos les plus clairs pour emboîter le pas d’une œuvre en train de se faire. 
Certes, nous ne sommes plus dans les années 60-70. Il est fortement déconseillé de s’abandonner trop vite à des analogies formelles sous peine d’étouffer dans l’œuf ce qui souffle ici d’une œuvre à l’autre. Si la présence du mur est fondamentale, qu’il soit pelliculé en fines feuilles de papier d’un format de plus en plus grand ou qu’il soit manifeste, se dégagent du graphisme global des vibrations sensibles qui retiennent le regard dans l’imperceptible et dématérialisent l’enceinte. Si l’appréhension synthétique d’images irradiantes s’impose à cause d’une apparente répétition plastique, il n’empêche que la lecture de ce qu’on voit implique le pas, l’attention soutenue ou la distance panoramique. Si le corps est sollicité et si celui de l’artiste, bien que retiré au maximum, a été soumis par la dimension de la surface à couvrir à d’évidents efforts, c’est à une certaine danse improvisée qu’est appelé celui qui se meut dans cet univers plus ou moins mobile. Enfin, à la stabilité caractéristique des œuvres minimales qui, en fait plus ou moins consciemment, conservent une part de l’hiératisme de la sculpture, Marie Lepetit oppose une étendue et une légèreté  aérienne. La perspective extensive qui illumine bien plus les périphéries qu’un hypothétique centre introuvable travaille toutes les œuvres en leur accordant un effet de dilatation – lorsque l’œuvre est de petit format cette dynamique en nie les limites - et en leur assurant une respiration propre – soutenu par une énergie permanente, le subtil est d’importance.

On sait que jamais l’artiste ne choisit la direction dans laquelle son œuvre le conduit. On sait qu’elle le précède toujours et qu’il la poursuit sans cesse. Plus l’artiste est modeste et plus l’œuvre mûrit, plus elle ouvre d’autres horizons. Lorsqu’on s’en approche, ce qu’on entend en fait, ce n’est pas tant le discours de l’artiste que la musique de l’œuvre. Marie Lepetit le sait et le dit volontiers. Qu’est-ce que cela signifie ? Cela veut dire que l’œuvre véritable est dépourvue d’autre intention que celle d’exister. Elle hait la moindre instrumentalisation car elle sait que c’est dans le silence sur lequel repose les sons quasi inaudibles de l’œuvre pictural que loge son unique projet. Ce qui rattache peut-être, et l’en distingue tout autant, l’œuvre de Marie Lepetit à l’Art Minimal, c’est avant tout le son minimal qui se déploie sans faille d’une œuvre à l’autre. Marie sait que la musique qu’elle fait naître n’est jamais que la modulation du silence tel qu’un poème porte la sonorité des mots. Précise, méthodique, son équerre d’une main, le stylet dans l’autre, elle trace ces portées de points lumineux qui d’eux-mêmes forment des constellations involontaires. C’est de l’évolution du poignet guidé par l’instrument que la surface s’anime et plonge le regard dans un univers que l’on peut qualifier de primitif. Pourquoi primitif ? Parce qu’il nous est aussi familier qu’étranger. Là où les Minimalistes se voulaient fondateurs, Marie-Lepetit semble défonder la responsabilité historique de l’art. En effet l’œuvre file. D’un geste elle apparait et en une infinité de petits gestes elle se décompose et se recompose en ondes continues. Peinte sur le mur, elle devra disparaître ; elle appartient essentiellement à la disparition qui saisit aujourd’hui un grand nombre de milieux. L’éphémère qui efface les images, le désert silencieux de la solitude, le son sourd des choses, n’est-ce- pas ce que à quoi secrètement nous aspirons tous ? N’est-ce pas cet espace sans bruit mais animé d’une subtile musique graphique que nous propose l’art de Marie Lepetit ?

Demeurera le mur. Mais parce qu’il a réfléchi toute l’énergie d’une femme, parce qu’intimement nous lui avons prêté telle ou telle interprétation, parce qu’il permet qu’on s’entretienne de ce qu’est l’art au moment où l’artiste est en passe de n’en être qu’un préliminaire, le mur est encore ce avec quoi on peut penser. Alors que dans le vide la pensée est difficile et vaine, parce qu’elle appelle l’ami qui l’aide à se forger, elle trouve dans le mur partenaire l’écho nécessaire. Elle se nourrit de résonances, pour cela elle a besoin du mur, elle a besoin de signes, elle a besoin du mur pour se bien  penser.”

Alain Charre, Septembre 2008


Orlando Franco
Orlando Franco  nasceu em Santarém, em 1977. Vive e trabalha em Lisboa.


As imagens que aqui surgem, são desenhos que em primeiro lugar foram imagens. O gesto que desenha não depende de um projecto mental, alguns destes desenhos surgem enquanto estou ocupado com outras coisas, outros não. Uns dos grandes problemas é perceber quando uma imagem é importante.

Orlando Franco


Rodrigo Bettencourt da Câmara
Rodrigo Bettencourt da Câmara nasceu em Lisboa, em 1969.


Rodrigo Bettencourt interessa-se por lugares. Lugares que ficaram congelados num tempo e que permanecem hoje como memória viva das características desse tempo. Lugares assim definem-se como lugares de resistência, ou não-lugares (na medida em que fogem à cartografia). Resultam de uma forma particular de esquecimento: o esquecimento por parte do que veio posteriormente, do elemento transformador. Os registos de Rodrigo Bettencourt da Câmara obedecem a um carácter da ordem do documento, porque partem justamente das mesmas premissas que definem um documento. Os lugares que lhe interessam não são os da paisagem naturalizada mas os da paisagem humanizada, lugares que se assumem como espaços classificados e com uma estreita relação com a vivência humana, com os hábitos e necessidades de uma comunidade. Assim, pela recolha inventariada de imagens, o artista procura caracterizar um espaço como sendo esse e não outro, defini-lo na sua resistência à passagem do tempo, que traz, inevitavelmente, alterações, mudanças na paisagem, transformações que são a evidência de um espírito-do-tempo.

Margarida Prieto, 2008


Rui Macedo
Rui Macedo nasceu em Évora, em 1975. Vive e trabalha em Lisboa.


Apresento em exposição duas pinturas-instalação. Trata-se de duas vistas do interior da Fábrica do Braço de Prata (concretamente da Livraria Ler Devagar). A pintura A está instalada exactamente no lugar que representa. A pintura B repete uma estante que se encontra do seu lado direito. Ambas citam vistas do espaço de exposição. Cada uma destas pinturas é consequência de uma pesquisa visual e operativa do conceito literário mise en abyme, recurso estilístico que aqui, enquanto pintura, mantém uma relação de semelhança (por repetição, reflexão e/ou espelhamento) com o lugar que a contém. Este conceito é uma estratégia que visa o reconhecimento da parte no todo na pintura A porque represento o lugar tal como ele se apresentava antes de ter a minha pintura colocada, e na pintura B porque a repito uma situação e a desloco. Estas estratégias devolvem-nos o lugar tal como ele é, 
equacionando sensações de dejá vu e unheimlich. O mise en abyme possibilita criar, no espectador, o prazer do reconhecimento para quem está familiarizado com a Livraria Ler Devagar que, nestas pinturas-instalação, se torna um duplo cenário: real e representado.

Rui Macedo
Março de 2009


Teresa Palma Rodrigues
Teresa Palma Rodrigues nasceu em Lisboa, em 1978. Vive e trabalha em Lisboa.


CADERNOS

Os Cadernos são trabalhos de 2006 que tratam da analogia entre a Escrita, a Pintura e a Tecelagem. “Texto”, “textura” e “tecido” têm a mesma origem etimológica e a  Escrita, a Pintura e a Tecelagem têm em comum o facto de conterem linhas e pontos nas suas estruturas. 
Acerca desta afinidade entre disciplinas, Roland Barthes refere:
Texte veut dire Tissu [...] nous accentuons maintenant, dans le tissu, l’idée générative que le texte se fait, se travaille à travers un entrelacs perpétuel; perdu dans ce tissu - cette texture - le sujet s’y défait, telle une araignée qui se dissoudrait elle-même dans les sécrétions constructives de sa toile.*
Existe, neste trabalho, a intenção de desencadear a possibilidade de se inventarem histórias a partir de cadernos que, em vez de texto, têm texturas.
*BARTHES, Roland, Le Plaisir du Texte, coll. Points, éd. du Seuil, Paris, 1973, p.31

Teresa Palma Rodrigues












Vasco Barata
Vasco Barata nasceu em Lisboa em 1974.  Vive e trabalha em Lisboa.


Como resposta ao convite que me foi endereçado para a produção de uma peça a apresentar no contexto da exposição colectiva no espaço Braço de Prata, que tivesse em consideração as características do espaço e em particular a sua relação com o universo dos livros e da 
literatura, apresento um díptico fotográfico, que “vive” da sua relação com a palavra/ 
linguagem.As palavras escolhidas (phantom/ ghost) são na língua inglesa sinónimos exactos, na medida em que, no dicionário, remetem uma para a outra criando assim uma situação de circularidade e remissão e tornando visível, nesta pequena ocorrência linguística, os limites da própria linguagem._Esta condição circular torna-se mais evidente na articulação dos dois substantivos com a imagem escolhida, e sobretudo na sua condição dupla, no momento em que se nos apresenta como espelho de si própria.

Vasco Barata
Março 2009